Um pequeno trecho do texto "Sobre a psicologia do colegial" de Freud
- Cibele Scarpelin
- 9 de fev. de 2020
- 3 min de leitura
Queridos alunos e colegas professores. As aulas já se iniciaram nas escolas e como sou professora e psicanalista - duas profissões impossíveis segundo Freud - gostaria de comentar algo muito importante no âmbito da educação: a afetividade.
Há um tempo atrás vi uma polêmica no facebook sobre uma escola que colocou um cartaz para todos verem que dizia assim: “Lembramos aos Srs. Pais que é em casa que se aprende às palavras mágicas: bom dia, boa tarde, por favor, com licença, desculpe e muito obrigado. É em casa que também se aprende a ser honesto, não mentir, ser correto, ser pontual, não xingar, ser solidário, respeitar os amigos, os mais velhos e os professores. Ainda em casa é que se aprende a ser organizado, cuidar de suas próprias coisas e a não mexer nas coisas dos outros. Também em casa é que se aprende a ser limpo, não falar de boca cheia, e a não jogar lixo no chão. Aqui, na escola, ensinamos: matemática, português, história, ciências, geografia, inglês, e educação física e, apenas, reforçamos a educação que deve ser adquirida em casa”.
A partir dessa frase poderíamos pensar uma separação entre aquilo que é ensinado em casa e o que é ensinado na escola. A escola teria a responsabilidade apenas de ensinar conteúdos, sendo isenta de ensinar a educação informal, que viria de casa. Então, um aluno que faltasse com o respeito em relação ao professor seria tido como "mal educado", ou seja, faltou o pai, a mãe ou quem cuida dessa criança dar a ela a educação necessária para a convivência em sociedade.

Porém, há um texto muito bonito de Freud que nos mostra como se fosse os "bastidores" dessa relação professor-aluno. Em 1914, Freud escreve um texto intitulado "Sobre a psicologia do colegial", publicado primeiramente num volume comemorativo do quinquagésimo aniversário da fundação do colégio onde o autor estudou. Aí vai um trecho do texto para começarmos o ano letivo não esquecendo que, nos "bastidores" da escola, ao ensinarmos, muito mais coisas acontecem do que sonha a nossa "vã filosofia"...

"(...) Não sei o que mais nos absorveu e se tornou mais importante para nós: as ciências que nos eram apresentadas ou as personalidades de nossos professores. De todo modo, esses eram objeto de um contínuo interesse paralelo, e para muitos de nós o caminho do saber passava inevitavelmente pelas pessoas dos professores. Vários se detiveram na metade desse caminho, e para alguns - por que não admitir - ele ficou bloqueado permanentemente.
Nós os cortejávamos ou nos distanciávamos deles, neles imaginávamos simpatias ou antipatias provavelmente inexistentes, estudávamos seus caracteres e com base neles formávamos ou deformávamos os nossos. Eles suscitavam nossas mais intensas revoltas e nos compeliam à mais completa submissão. Nós espreitávamos suas pequenas fraquezas e tínhamos orgulho de seus grandes méritos, de seu saber e senso de justiça. No fundo os amávamos bastante, quando nos davam um motivo qualquer para isso. Não sei se todos os nossos professores se deram conta disso. Mas não se pode negar que nossa atitude para com eles era bem peculiar, de um modo que talvez lhes fosse inconveniente. Em princípio nos inclinávamos tanto ao amor como ao ódio, tanto à crítica como à veneração diante deles. A psicanálise chama de 'ambivalente' essa predisposição para atitudes contraditórias; e não tem dificuldade em apontar a fonte de tal ambivalência emocional.
Pois ela nos ensinou que as posturas afetivas em relação a outras pessoas, tão relevantes para a conduta posterior do indivíduo, são estabelecidas surpreendentemente cedo. Já nos primeiros seis anos de vida o pequeno ser humano tem assentados a natureza e o tom afetivo de suas relações com as pessoas do outro e do mesmo sexo; a partir de então pode desenvolvê-los e modificá-los em certas direções, mas não eliminá-los. As pessoas a que ele se fixa dessa maneira são os pais e os irmãos. todos os indivíduos que vem a conhecer depois tornam-se secedâneos desses primeiros objetos dos sentimentos (talvez também as pessoas que dele cuidaram, além dos pais) e são por ele ordenados em séries que provêm das 'imagos', como dizemos, do pai, da mãe, dos irmãos, etc. Portanto, este que depois conhece têm de assumir uma espécie de herança afetiva, deparam com simpatias e antipatias para as quais contribuíram muito pouco; todas as futuras escolhas de amizades e amores sucedem a partir de traços mnemônicos deixados por aqueles primeiros modelos."
Bibliografia:
Freud, Sigmund. Obras completas, volume 11: totem e tabu, contribuição à história do movimento psicanalítico e outros textos (1912-1914). Tradução de Paulo César de Souza - 1ª ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 2012.