Por que você trabalha? A escolha de uma profissão
- Cibele Scarpelin

- 23 de fev. de 2020
- 2 min de leitura
"(...) Contra cada desejo satisfeito existem dez que não o são; e o desejo satisfeito sempre volta ao fim da fila, exigindo nova satisfação, com o que a ilusão se renova". 1

Recentemente eu estava tomando café na padaria e numa mesa próxima uma criança de aproximadamente cinco anos estava conversando com sua mãe. Ele fez a seguinte pergunta: "Mamãe, por que você trabalha?" A mãe recitou logo o discurso, "Trabalho para comprar as coisas para você. O vídeo game que você joga, as roupas que você usa, e até essa comida que estamos comendo vem do dinheiro que ganho com o meu trabalho".
Não me parece que era isso o que a criança queria saber. Quando uma criança faz uma pergunta, os adultos tentam criar explicações que satisfaçam a curiosidade delas. Por que queremos responder? Por que não devolver a pergunta para a criança? Por exemplo: "Por que você acha que eu trabalho?" Para o filho, a curtição é conversar com os pais, saber de seus desejos, anseios, conversar da vida, e não somente ter uma pergunta respondida.
Não é de se estranhar que quando as crianças se tornam adolescentes, essa pergunta "Por que você trabalha?" retorna na forma de uma angústia crescente. Os pais, muitas vezes retomando o discurso acima, dizem: "Você precisa trabalhar para poder comprar as suas coisas. Qual faculdade você vai fazer? Você ainda não decidiu?"
A escolha por uma profissão torna-se, então, a realização de uma idealização. A escolha profissional aparece como realização à resposta dada aquela criança: quero escolher uma profissão em que posso comprar o maior número de coisas para satisfazer meus desejos.
Talvez, se aquela pergunta lá na infância não tivesse sido respondida e tivesse se tornado uma conversa, o adolescente hoje perceberia que escolher uma faculdade é só o início de uma jornada, que muitas outras escolhas podem ser feitas, muitas coisas se descobre no meio do caminho e podem ocorrer mudanças de percurso. A escolha da faculdade não é uma questão a ser respondida, mas é uma conversa aberta a surpresas e mudanças. E a angústia sempre faz parte dessa jornada.
1- Jair Barboza na apresentação do livro "O mundo como vontade e representação" de Arthur Schopenhauer.



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